Muitos
anos se passaram. Cinquenta, julgo eu. Mas a minha memória ainda consegue
trazer todas as recordações, com o mesmo cheiro, o mesmo sentimento e o mesmo
batimento cardíaco. Tenho agora sessenta e nove anos, e estou sentado na
varanda que me viu crescer a perscrutar as estrelas e o som dos grilos nesta
noite de verão. Durante toda a minha vida, consegui praticar o bem, nunca fiz mal
a alguém, e tentei sempre ser o mais correcto possível. Mas, a vida, e todas as
suas intrincadas ajudaram-me a ser ainda melhor, depois de cada queda que
sofri. Talvez haja uma, aquela, a única, que eu ainda hoje, passados cinquenta
anos, não tenha conseguido ultrapassar: quando fiquei sem ti.
Soube
que casaste, que tiveste filhos, e que até já tens netos, que refizeste a tua
vida, e que durante estes cinquenta anos, nem por um segundo, te lembraste
daquele menino de olhos azuis, de cabelo loiro, que na sua inocência e
humildade dizia que te amava e que eras o seu mundo. Nunca entendeste a
grandeza das minhas afirmações, nunca tiveste com atenção aos sinais, nunca
quiseste ver o que realmente acontecia, nunca aceitaste os sentimentos, sempre
contrariaste o teu destino. Muitas vezes, ainda na minha adolescência, com os
meus dezanove anos, eu olhava o céu, e desejava ser tu. Desejava conseguir, na
verdade, sentir aquilo que sentias por mim, ou seja nada. Mas com tudo o que
aprendi, cheguei a uma dúvida: não sei qual de nós os dois foi o mais triste;
se eu porque te amei de verdade, ou se tu por nunca teres conhecido o
verdadeiro significado do amor.
Passei
todos estes anos a tentar mentalizar-me de que vai passar. Esta tristeza que
estou a sentir vai passar. Eu já vivi muitos altos e baixos nesta vida. Por
pior que a coisa pareça, posso ter a certeza, que alguma coisa boa vai
acontecer lá na frente. Tudo nesta vida passa, os problemas, os dilemas, a
única coisa que fica é o amor, o resto é tempestade de verão, às vezes vem faz
um estrago, mas logo acaba.
E sim,
realmente, tudo passou. Os momentos ruins e os momentos maus. Alguns
sentimentos também passaram, algumas pessoas saíram e entraram, casei, tive
filhos e tenho um neto que amo mais que tudo na vida, mas não fui feliz no meu
casamento, nem tive sequer, a oportunidade de fazer feliz a mulher que aceitou
unir-se a mim para o resto da vida. Nunca a traí fisicamente, mas no meu
pensamento, estavas sempre tu: a mulher que me abandonou, que levou os meus sonhos
e os meus projectos, que fez o meu coração partir-se e nunca mais se
reconstruir. Uma pessoa acaba sempre por se habituar às situações da vida, e eu
habituei-me à tua ausência. Por isso consegui casar, anos mais tarde… Nunca
mais te vi, também, porque eu nunca mais te quis ver. Tentava sempre fugir de
onde sabia que estavas, e fiz de tudo para os nossos caminhos não se voltarem a
cruzar. Soube de todos os acontecimentos da tua vida, Deus ou lá qual seja a
força que me une a ti, fez-me chegar todas essas informações. Não as procurei…
elas apareceram!
Vi
noites e noites, a mulher que se casou comigo, na esperança de encontrar a
felicidade eterna nos meus braços, a chorar porque o homem, com quem ela se
casou, não era de todo a chave para a felicidade. Fi-la sofrer muito, até que
um dia para o bem dos dois, decidi que o melhor era separarmo-nos. Cada um
seguir a sua vida. Aos trinta e cinco anos, continuava a pensar que na minha
vida não existia construção, era tudo demolição. Desde a separação nunca mais me
envolvi de forma séria seja com quem fosse. Dei as minhas voltas, até chegar
aos sessenta e ter a coragem de aceitar que devia aproveitar os anos de velhice
para descansar e conhecer o mundo.
Não fiz
ainda, a viagem dos meus sonhos, não vivi na mansão que sonhei em criança, nem
fui quem quis tanto ser um dia, mas vivi sempre de forma digna mais com os
outros do que comigo mesmo.
E tu…
tu continuaste viva dentro do meu coração, sempre estiveste presente, mesmo
estando ausente. Continuei a amar-te em sonhos, fantasias e delírios. Continuei
a beijar-te, no sabor de cada vinho, água, sumos. Continuei a fazer amor
contigo, mesmo sendo outro corpo, que estava debaixo do meu. Posso agora dizer,
nos meus sessenta e nove anos, que te amei sem restrições, que por ti cometi
loucuras e vivi agoniado, enfeitiçado, dopado, sem sentido, tudo porque te
amei, apesar de todos os corpos que procurei, para encontrar o remédio para
acalmar a saudade de ti.
Se
isto, não é um AMOR VERDADEIRO, então o que será?
É mesmo assim? pode passar-se uma vida a amar em silêncio? A amar sozinho? O que alimenta esse amor? Como não morre nunca? Pergunto-lhe porque sinto em mim mesma que o amor que tenho não poderá nunca desaparecer... está impresso em mim.E assusta-me que nunca deixe de doer.....
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